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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

E se fosse o dilúvio, valeria a pena se salvar?

Pela janela do ônibus, vejo um grande muro, imponente, mas sem grande beleza. Suas pichações e tinta com aspecto envelhecido contrastam com o resto da cidade. Era uma das minhas primeiras vezes em Porto Alegre. Questionei o senhor que sentava ao meu lado sobre a serventia daquela atípica obra: “É o Muro da Mauá. Hoje, não serve para nada”, respondeu.
Saciado parcialmente da curiosidade, me vali daquela afirmação como criança que confia demasiadamente em adultos que, no fundo, sustentam argumentos também infantis. Aquele muro, afinal, separava o Lago Guaíba (ou, chamem de rio) do centro de Porto Alegre. Com o assunto das chuvas e cheias nas principais pautas, me questiono sobre aquele senhor e sua destruidora ignorância. Certamente, ele não sabia que, em 1941, a grande enchente deixou um quarto da população da capital desabrigada.
Assim surgiu o Muro da Mauá, após um dos capítulos mais trágicos do Rio Grande do Sul. Ao longo de 30 anos, o imponente muro de três metros de altura e 2,6 mil metros de extensão ergueu-se de forma silenciosa e esquecida. Hoje, 38 anos após a última grande cheia, o “inútil” muro presta seu serviço à população. Mais do que separar Porto Alegre das águas, essa obra nos lembra que quem não conhece a história está fadado ao lento definhamento.
A natureza é silenciosa, mas se repete. Independente de nós, ela tem sua vida própria, acontece. Para nós, cinquenta, cem anos parecem tanto. Porém, para ela, o tempo nada significa.
O homem garantiu sua sobrevivência no momento em que entendeu a importância de retransmitir o que aprendeu. Afinal, como poderíamos não precisar reiniciar tudo a cada nova geração? Os desenhos, a fala e as escrituras. O ser humano repassando tudo o que aprendeu. Mas, neste mundo prático, retransmitir parece algo a se tornar banal: não é!
Essa memória contraproducente que o brasileiro alimenta é o que tem nos fadado a escolhermos líderes cada vez piores, a seguirmos ideias cada vez mais medíocres e nos apoiarmos sobre mentalidades infantis. Imaginemos que, naquele dia, no meu lugar, estivesse outra criança, um futuro empreendedor, alguém do ramo de construção, talvez. Imaginemos aquela criança a ouvir o senhor dizer que o tal muro era inútil. Imaginem essa mesma criança 30 anos depois, arquitetando um projeto que destruísse o mesmo Muro da Mauá.
História é desinteressante, filosofia não serve para nada. Skakespeare, Kant, Nelson Rodrigues, o muro pichado pelo qual eu passo todos os dias. Por que eu deveria estudar qualquer dessas coisas que aparentemente não me trazem nada?
Este sacrilégio do não pensamento sempre me leva a uma questão: se aos seres humanos cabe o diferencial do raciocínio, em comparação a outras espécies, cabe chamarmos alguém que não pensa de humano?
Por fim, aquele senhor acabou me ensinando algo através de sua ignorância. Eu aprendi com ele que, em nossas mentes, existem mais muros inúteis a nos cercar do que na cidade.
Use sabiamente seu poder de pensar ou, alguém, através das palavras, erguerá em ti barreiras intransponíveis.

domingo, 11 de outubro de 2015

Onde morre a criança e nasce o adulto frustrado



Buscava algo especial para esse Dia das Crianças, mas sei que essa é uma das datas mais difíceis de entender, afinal, surge em nós uma confusão de reais motivos sobre por que deveríamos festejá-la. Para que tem filhos, fica mais fácil: basta voltar a energia a eles para fazê-los notar a importância dessa fase. Mas, ainda assim, quanto desta comemoração não é simplesmente nossa e apenas mais um relembrar nostálgico? Não que seja ruim, mas o que, de fato, devemos passar adiante nesse dia? E, mais do que isso, o que podemos fazer pelas crianças?


Nessa busca por um texto que acrescentasse algo a vocês, revisitei minha infância – e não me refiro às lembranças. O fato é que o texto que quero passar a vocês não está na internet, ou seja, precisarei transcrevê-lo letra por letra aqui, assim como na minha infância. O que não era encontrado na biblioteca pública deveria ser inventado com muita perícia para que passasse pelo crivo dos professores. Bom, mas o que aqui retransmitirei não é inventado, está em um grande livro de Osho e, para mim, representa a grande sintonia sobre nossas funções para com as crianças.

“As crianças não estão perdidas, e nós insistimos em ensiná-las. E todo o nosso ensinamento vai se tornar uma barreira para a vida, por que a vida precisa de uma mente ampla, aberta de todos os lados. E, para ensinar, você precisa de uma mente estreita – concentração, atenção, não percepção. Pois a percepção é uma mente fluindo simultaneamente em todas as direções. Você ouve o caminhão passar na rua. Você ouve os pássaros. Nada fica excluído e nada é desvio de atenção. Todas as coisas existem ao mesmo tempo. Eu vou falando; os pássaros não são perturbados. Os pássaros continuam cantando; porque eu deveria ser perturbado?... Mas o ensinamento depende de concentração. A concentração significa envenenar a criança. A concentração significa estreitar o ser da criança. Apenas uma pequena passagem ficará aberta e todo o resto será fechado. Só um buraquinho, ao qual você chama de concentração, permanecerá aberto, e esse vasto céu estará fechado... todas as portas e janelas. Sente-se perto da fechadura e fique olhando por ela – isso é concentração. Pense nisso: uma criança pequena sentada por seis horas, forçada a se sentar num banco duro, sem permissão de se mexer. Mas a energia se mexe, a energia é viva. Uma criança viva não pode se sentar em silêncio por muito tempo. Ela quer pular, correr e fazer milhões de coisas. Ela transborda de energia. E nós a obrigamos a sentar”.

Então, chegamos ao ponto chave do texto: ‘Se você quer ser mais eficiente, menos percepção é uma coisa boa, pois um mecanismo é mais eficiente que um homem. Um mecanismo simplesmente repete. Logo, todo esforço dispendido pela sociedade é para reduzir a criança a um mecanismo eficiente. E de repente, um dia, você percebe estar sentindo falta de tudo. Você viveu, no entanto, não pode dizer que viveu. Você amou, mas não consegue sentir que o amor aconteceu com você. Você não sentiu a fragrância de estar vivo”.

Sei que quando lemos uma fala tão profunda, ela nos parece utópica: “se criarmos nossos filhos assim, como eles vão sobreviver neste mundo?”, pensamos. Só por nos questionarmos desta forma, notamos o quanto o texto de Osho é preciso em suas colocações. Nós estamos criando as crianças para sobreviverem na guerra que irá colocar umas contra as outras.

Caminhar para a eficiência é tornar-se máquina e, claro, quanto mais máquinas somos, menos questionamos, menos hesitamos na hora de passar por cima de outras pessoas.


Neste Dia das Crianças, compre um presente para você mesmo. Dê-se algumas horas pensando sobre onde morre a criança e nasce o adulto frustrado. É um ótimo presente... para o mundo.