Já fui abordado
tantas vezes por mendigos que penso ser difícil alguém nunca tê-lo sido. Eu
poderia dizer moradores de rua, mas nem sei se todos esses moram realmente na
rua – além do mais, acho legal a palavra
mendigo, a interpreto como “um sábio desconhecido”.
Há quem se esquive
desses caras maltrapilhos que vagueiam transportando sua sujeira e seu silêncio
pelas ruas noturnas que nós mal conhecemos. Pode ser um reflexo medonho da
realidade, uma percepção a qual queremos evitar sobre o tanto em comum que
temos com aqueles seres tão desprezados pelas massas.
Quem já parou para
conversar com um cabeludo de cobertor nas costas sabe que as doses de loucura
são geralmente bem menores do que as de lucidez. Isso é um choque danado: notar
a tão tênue linha que separa as condições sociais. Você fala com esse cara por
5 minutos e só encontra justificativas para ele ter acabado nessa; falando por
10 minutos surge um contraste entre a sapiência e demência total; agora, se
você conversar com ele por 1 hora, logo, você se tornará um igual, ouvirá suas
histórias e irá se deparar com o mendigo que existe dentro de você mesmo – de
todos nós.
Não sei bem por que
entrei nesse assunto, talvez seja a influência dos livros de Diógenes, alguns
dos quais eu estava relendo há algumas semanas. O Diógenes em questão era um
mendigo que vagava pelas ruas de Atenas, morava em um barril – sim, ele
inspirou a residência do personagem Chaves – e era sempre visto portando uma
lamparina sobre o argumento de que a usava como luz para encontrar um raro
homem ainda honesto. Esse vagante constantemente chamado de cão era, na
verdade, um antigo discípulo do filósofo Antístenes, o qual fora pupilo de
Sócrates. Diógenes acreditava que o possuir era a destruição do homem e por
isso teria abdicado de qualquer bem. Também desprezava a opinião pública de uma
sociedade corrupta e sem valores.

Um homem comum
teria visto desrespeito em tal resposta, mas Alexandre não era um homem comum
e, enquanto pessoas do povo e os próprios guardas de Alexandre riam daquele
velho homem, ele disse: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes”. Todos
se calaram.
Vejo uma beleza
ímpar em tal citação. Ela demonstra a percepção de um homem que tinha tudo, mas
que sabia na verdade não possuir nada. O poder era a âncora que prendia
Alexandre à mediocridade dos que, assim como mendigos – só que sem a alma –,
ficam a vagar bajulando aqueles que podem lhe garantir disfarces para a pobreza
interior.
Pode parecer ilógico
pensar isso, mas talvez esses que andem por aí como se fossem invisíveis, visto
como loucos, sintam muito menos o peso do mundo do que nós. Sou livre? Por quê?
Por poder escolher a cor da embalagem de maionese? Por possuir alguns papéis na
carteira que me dão o direito de entrar em uma loja? Eu não faço ideia de qual
seja o nome da última atendente que me recebeu e me vendeu algo – e olha que
ela não se vestia nem cheirava como um mendigo.
Não podemos
combater a pobreza com Bolsa-família ou moedas no semáforo. Não se engane com o
que os olhos lhe permitem ver: a miséria é interna e todo nosso esforço para
escondê-la não faz com que ao fim do dia ela ainda não esteja lá.