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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Nada nos pertence, nada podemos exigir

“Uma árvore que cai faz muito mais barulho do que uma floresta que cresce”. E quantas árvores desabam à nossa volta todos os anos? Diante das clareiras do que não mais nos cerca, surge nosso nu espiritual, uma experiência que nos ridiculariza, mas que surge para também nos fortificar.
De onde vieram nossos inimigos? O que odiamos, repudiamos e alimentamos? Por que o fazemos? Sempre há e sempre haverá pontos de interrogação em meus textos: escondê-los seria disfarçar quem realmente sou, pois há mais dúvidas do que até mesmo água em mim.
No giro da moeda profetizamos sorte ou azar: que lado o destino escolherá e qual lado escolherei? E assim, todos os dias, nos lançamos ao ar. Reclamamos da fila do supermercado, do imprevisto no trabalho, do acaso que todos os dias nos toca o ombro e faz olharmos para trás. Raramente nos ocorre que as coisas são porque são e, se aqui ainda estamos, por que não aceitá-las?
Todo ódio contra alguém é o ódio contra si. Junto dos anos se acumulam medos. Pensar neles seria doloroso, então os reservamos ao subconsciente, fingimos esquecê-los e, sem percebemos, passamos a ser controlados por eles. Pense por um minuto na maior tristeza da sua vida, a maior dor que lhe coube. Reflita sobre a exata situação a qual foi exposto na época e toda a dor que sentiu. Agora pense: como isso me influencia hoje? Você olha para os dois lados antes de atravessar a rua? Você dorme do lado direito da cama? Come assistindo o jornal do meio-dia? Desvia o olhar dos que lhe encaram?
Um sábio foi indagado: “O que faço quando, na meditação, um demônio se aproxima?”. O sábio respondeu: “Põe o demônio a meditar contigo”. Todos têm seus demônios e traumas que se tornam imperceptíveis. Para notar o que nos tornamos precisamos nos assumir aos medos. É doloroso, mas tão necessário quanto encher nossos pulmões de ar a cada segundo. Os resultados demoram a aparecer – talvez décadas –, porém, um dia vivido na intensidade de nos sentirmos perceptíveis aos motivos de nossos prazeres e desprazeres é mais poderoso que cem anos de tormenta.
Sempre haverá uma interrogação em sua vida, a dúvida está presente mesmo em pessoas iluminadas e repletas de paz. A diferença não está em tê-las ou não, mas em como lidar com elas.
Os medos nos isolam como se todos à nossa volta soubessem lidar com os seus, como se nadássemos sós em uma imensidão de angústias. Na ânsia de não nos afogarmos, queremos ficar acima das ondas, mas somente quem se deixa submergir percebe quantos corpos nos cercam, corpos daqueles que exauriram suas forças tentando, justamente, não se afogarem. Para perceber que não estamos sós, precisamos colocar nossos demônios a meditarem, tomar fôlego e descemos à profundidade de quem realmente somos.
Quando começamos a dialogar com nossas atitudes e investigamos aquele sentimento ruim que nutrimos por alguém, quando mesmo diante da cegueira da inveja, da cobiça e de tantos outros medos passamos também a ver os motivos que nos levam a isso, passamos então a ter perspectivas da paz. É quando paramos de culpar o mundo que assumimos a responsabilidade pela moeda que dança no ar. Não se trata de sorte ou azar, se trata de uma única moeda e seus dois lados, o giro contínuo que põe amigos e inimigos, alegrias e tristezas, promessas e mentiras, tudo lado ao lado, tudo pertencente a essa moeda a qual damos o nome de vida.
É impossível passarmos por aqui sem provarmos. Alguns dançam rumo ao conhecimento, outros rastejam um labirinto de pedras. Não se trata apenas das escolhas: trata-se de reconhecer que, por mais que façamos o que nos pareça nobre, ainda assim a moeda seguirá girando. Não se trata de vencer ou perder, mas de aceitar que não somos donos de nossas vidas, não fomos nós que nos autocriamos. Estamos à mercê do que não controlamos. Nada nos pertence e nada podemos exigir. A floresta cresce em silêncio e ela é grandiosa, nossos gritos são fortes, mas não nos impedem de cair. Ouça o que o silêncio diz.