Necessitamos estar certos, mas por vezes juro que não
desejaria. Em uma semana escrevo sobre a depressão que a cada 40 segundos leva
uma pessoa ao suicídio. Na semana seguinte, um cara decide jogar um avião cheio
de histórias contra montanhas. Um ano antes aviso sobre a violência próxima a
explodir em nossa pequena cidade e no ano seguinte batemos recorde de
assassinatos. Eu encho a boca pra dizer que esse país não tem solução e cada
vez mais pessoas concordam com meu desânimo. Todos esses acertos nada
significam para mim.
Eu acredito na força do pessimismo, penso inclusive que por
vezes ele seja mais poderoso que esse lance de ver um lado positivo em tudo.
Aliás, desconfio dos demasiados sorridentes e suas certezas sobre o homem
caminhando para a harmonia. Essa necessidade de nos vangloriarmos em espécie é
uma projeção da sobrevivência, só isso. Nós nos sentimos importantes,
fundamentais, o centro... Dessa forma não nos abalamos ainda mais com essa
loucura que nos é esfregada na cara. Ser positivo é estacionar no amarelo do
irreal.
Essa maldade intrínseca nos intimida. O acesso e a
velocidade da informação nos trouxeram a dilacerante imagem dos monstros e,
olha só, eles se parecem conosco. Por um segundo parei a observar o jovem de 21
anos que covardemente matou outro cravando-lhe um copo na garganta: ele parecia
tão humano! Suas linhas, seus olhos, suas roupas... Poderia passar por mim
diversas vezes no dia sem que eu suspeitasse da demência que lhe acompanhava. É
isso que nos apavora: ver no reflexo da maldade um rosto meramente humano.
O outono está chegando, junto dele a sensação de que tudo
está igual e nada vai bem. Será que o mal está vencendo? Queria sinceramente
acreditar que não, queria mais uma vez estar errado, mas, quanto mais andamos,
mais nos deparamos com o despreparo humano para tal caminhada. É um jogo de
estica e puxa, gente derrubando gente, interesses ditando relações, conexões
frágeis feito guardanapos em refrigerantes.
Tanto potencial desperdiçado. Você para a fim de observar um
casal de velhinhos e pensa: que espécie incrível somos: inventamos o amor e com
ele nos transformamos. Vemos um garoto brincar com seu cãozinho e sorrimos a
graça das diferenças que se completam. Vemos um avião erguer-se e contemplamos
nossa capacidade de aprender com os pássaros. Será que um dia apagaremos as
linhas imaginárias que dividem pessoas? Será que um dia nos solidarizaremos com
as vítimas de guerras que já duram dois mil anos? Será que um dia andaremos
pelas ruas sem o risco de encontrar outros jogados ao frio? Seria, é, tão
simples, já tivemos tanto tempo, mas nunca parecemos realmente tentar acabar
com isso.
Assim se fez nossa história: de guerras, chacinas e
ganância. Nossas religiões foram responsáveis por mais sofrimento do que
salvação. Nossos deuses servem de desculpas para odiarmos outros. Todas as soluções
se voltaram para o “eu”.
Não há desgraça que nos surpreenda e para a loucura buscamos
justificativa. Como no caso do garoto morto no banheiro de uma festa: “ele deve
ter feito alguma coisa”, então, diante de testemunhas que afirmam que ele não
fez absolutamente nada, entendemos mais um pouco da insanidade a qual todos
estamos expostos.
Um poeta cantou: “as pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho
medo que as coisas nunca mudem”. Hoje, décadas depois, canto-lhe triste em
resposta: Eu também, eu também... Amém.