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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Dance nos ventos da mudança

Dia após dia, visito o passado. Não há como ser o que somos sem levar adiante o que já fomos. Esbarro em textos antigos e vejo que a prática me fez evoluir: é um processo normal, não é mesmo? Treinos que nos aprimoram. Engraçado é quando esbarro em elogios dados por outros a esses antigos textos. Aí surge a dúvida: tornei-me complexo ou complexado?
Soa estranho para quem vivencia a ideia de já ter sido melhor em algo – ou, no mínimo, mais claro. Talvez antigamente as pessoas me entendessem melhor. E o mesmo vale para os textos. Em tempos em que meu vocabulário era mais limitado, meus pensamentos menos inquietos, meus desejos mais indefinidos e minha tristeza menos retocada, eu talvez fosse mais direto.
Evoluir é deixar muita coisa para trás, inclusive partes de você. É doloroso o viver, pois todos os dias – mesmo que imperceptivelmente – nós nos despedimos de algo. Você nunca sentiu isso em dias em que é invadido por um vazio sem motivos aparentes?
Tente resgatar a memória mais antiga do seu primeiro quarto, aquele em que você passou parte de sua infância. Relembre as cores da parede, as falhas na pintura, tente recordar o teto que você observou por tantas noites antes de dormir, o chão em que durante a noite você pisava quando levantava para ir tomar água. Conseguiu recordar? Essa lembrança não surge triste, não é mesmo? Mas você se imagina tendo seguido a morar nesse quarto até hoje e pelo resto da sua vida? O que ocorre dentro de nós é algo bem parecido: esse vazio que nos seca por dentro como se fôssemos rachar é nada além do que o gosto das mudanças. Logo haverá um novo chão, um novo teto, uma nova cor e novos móveis. Nada melhor ou pior, apenas necessário.
É no inverno que as raízes mais se aprofundam e ganham força. Aquela árvore cheia de vida que contemplamos na primavera não foi moldada por dias amenos de verão: foram as mudanças que sacramentaram sua seiva. Uma árvore não reclama das estações que a maltratam, das folhas que dela se desprendem ou mesmo das cordas de balanços que nela se amarram. Uma árvore seca as partes mortas e deixa os galhos secos irem ao chão, pois sabe que logo estes galhos irão se decompor e se reintegrarem ao solo que a sustenta.
Nós podemos gritar, chorar, sofrer enquanto tentamos segurar algo que, cedo ou tarde, o vento levará. Diferente de uma árvore, a nós cabe a sensação de que tudo podemos controlar. Mas quanto sofrimento recai sobre os que tentam impedir a mudança das estações? Como poderíamos comtemplar a luz do sol tocando nossa pele sem termos passado pelo gélido inverno? Como veríamos a beleza das folhas secas de plátano a dançarem no ar se não fosse o outono derrubá-las?
Não nos cabe impedir a mudança. Podemos, sim, lutar contra ela, mas tudo que conseguiremos será prolongar o sofrimento. Ser forte também é ceder aos ventos do norte. É isso que a vida faz: ela se renova e, mesmo o que nos parece pertencer, um dia irá ao chão, pois deste mesmo lugar viemos. Uma troca justa.