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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

sábado, 24 de janeiro de 2015

À beira da extinção emocional

Há dias que a vida parece tão escassa de opções... Acordamos vendo aquela mesma parede de tantos anos, o brilho da tinta já não é o mesmo, os móveis que um dia admiramos se tornaram invisíveis. A questão aqui poderia ser a velhice, mas não: refiro-me mesmo à angustiante rotina que se acumula feito pó em ventiladores há muito tempo parados.
De fato, a estabilidade é uma busca humana. Ela se tornou primordial em épocas nas quais a escassez de alimento ameaçava nossa existência. Foi em busca da estabilidade que os homens se desenvolveram social, econômica e tecnologicamente. Foi assim ao longo de 20 mil anos que desenvolvemos a necessidade pelo saber. Controlar era sobreviver.
Podemos hoje, deitados em nossas camas observando o mundo na palma de nossas mãos, não percebermos o quanto ainda somos ligados àquelas criaturas que se reuniam ao redor de uma fogueira balbuciando descobertas. Nossa sede de sobrevivência cumpriu sua função. Sobrevivemos, mas que herança tenebrosa trazemos de tempos tão selvagens?
Essa compulsão “cavernística” pela estabilidade trouxe consigo uma necessidade que conflita com nossa forma atual de existir. O homem estável é aquele que busca, mas o homem que busca além do que compreende é o mesmo que se afunda em frustrações.
Muitos estudiosos concordam que vivemos a era mais triste de toda história humana. Imaginem que toda nossa necessidade, todo nosso avançar científico visava à sobrevivência, logo, diante da estabilidade da perpetuação, passamos a adotar um novo critério chamado felicidade. Mas se a felicidade passa a ser uma necessidade ao mesmo tempo em que não há fórmula para sermos felizes, paradoxalmente vamos em direção ao ser humano em sua tristeza constante.
Se retrocedermos cem míseros anos e pensarmos em todos aqueles relatos de como as pessoas sobreviviam, notaremos que, apesar de todas as limitações, elas viviam mais intensamente o presente: a menor expectativa de vida limitava a expectativa de futuro – algo sobre o qual não temos poder. Hoje, vemos pessoas de 20 anos planejando para quando chegarem aos 70. Desse choque entre querer o que não se sabe e planejar o que não nos pertence surge nosso modelo atual de sociedade na qual a frustração se tornou mãe da tristeza, e o pior, uma tristeza que precisa ser disfarçada, pois nos foi dito que todos podem e devem ser felizes.
Houve uma mudança no sentimento humano quanto à existência, isso é inegável. Se essa mudança pode ser a base de uma evolução benéfica ao ser humano em si? Impossível dizer. O que podemos facilmente constatar é que ainda somos inteiramente primitivos ao ponto que quanto mais podemos externamente, menos conseguimos internamente. Por exemplo: temos centenas de amigos virtuais, mas nos sentimos desconectados do mundo. Sabemos os malefícios de diversos alimentos e drogas, no entanto vivemos a doença da obesidade e uma em cada cinco pessoas é diagnosticada com depressão.
A cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo. Pensem um pouco nisso. Não se trata de salvar outros, mas de pararmos para refletir. Será que tanta aflição, tanta busca, tantos planos para daqui tanto tempo vão ao encontro de um sentido de viver?
Pense, sem medo, apenas pare tudo e pense. Será que sua aflição não é a obrigação em ser feliz? E seus planos, são realmente seus? E o seu hoje, ele é mesmo hoje ou se tornou um amanhã que nunca chega? Apenas pense.