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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O nó górdio

Conta a lenda que em 900 a.C na antiga Frígia – onde hoje fica localizada a Ásia Menor, um rei morreu sem deixar herdeiros. Os oráculos então anunciaram: “o novo rei chegará em um carro de bois”. Um camponês de nome Górdio que chegava à cidade sem pretensões foi quem acabou coroado. Em agradecimento aos deuses e para que nunca se esquecesse de onde veio, Górdio amarrou sua carroça no templo de Zeus, mas amarrou-a de tal maneira que o nó usado era dito indesatável. Assim, Górdio reinou próspero, sendo substituído somente mais tarde pelo seu filho, Midas. Midas, porém, não deixou herdeiros ao morrer e os oráculos foram novamente consultados. “Herdará toda Ásia Menor aquele que desatar o antigo nó de Górdio”, disseram. Durante 500 anos ninguém havia sido capaz de desatar o nó. Em 334 a.C, Alexandre, o Grande, ao passar pela Frígia e conhecendo a lenda do famoso nó de Górdio, decidiu ir ao templo de Zeus para ver se de fato lá existia um nó impossível de ser desfeito. Analisou por horas o emaranhado das cordas sem em nada tocar, até que sacou sua espada e simplesmente cortou o nó. Lenda ou não, Alexandre viria pouco tempo depois a se tornar rei de toda Ásia Menor.

Na Europa a expressão “cortar o nó górdio” é bastante conhecida. Ela significa, basicamente, resolver um problema da maneira mais objetiva possível.

Essa história me chamou atenção algumas madrugadas atrás, enquanto pensava nos problemas que o Brasil enfrenta e na situação limite em que nos encontramos. É bem provável que estejamos enfrentando nossa pior crise até hoje. E não me refiro à crise econômica e todos aqueles números comparativos sobre educação, índices de desenvolvimento etc., mas, sim, ao fator violência.

Um país pode ser pobre, pode ser desigual, ter pessoas passando fome e não possuir base alguma de educação, ainda assim esse país pode não ser violento. A violência não é somente um ato extremo. Antes de tudo, ela precisa existir em sua mais exacerbada forma dentro daquela pessoa, daquele grupo. A violência extrema é herdada e precisa ser praticada diariamente. Hoje, no Brasil, são raros os lugares onde, por exemplo, as pessoas podem sair de madrugada para caminhar. Aliás, você conhece algum lugar assim? Agora pense um pouco: saia do que você aprendeu a tratar como normal e pense novamente nisso: hoje, no Brasil não podemos nem sequer sair para caminhar a hora que desejarmos. Esse é o extremo da violência.

Juízes estão soltando assassinos, estupradores, pessoas cruéis que não sentem o menor remorso em matar. Juízes, pessoas estudadas, influentes e muito bem remuneradas, dizem: “Os presídios não suportam”. Vejam bem: a frase “os presídios não suportam” sucede a frase “ele estuprou e matou” e isso mostra em que situação nosso país chegou.

A morte do surfista Ricardo fez muitas pessoas repensarem o extremo em que chegamos. Ricardo não era apenas um surfista que rodava o mundo representando o Brasil, o cara era amado onde vivia, tinha projetos sociais, ajudava todos do bairro e foi assassinado cruelmente pelas mãos que nos deveriam proteger.

Vejam a situação que chegamos. Policiais podem nos matar a qualquer momento, juízes soltam assassinos estupradores. A lei está a favor dos bandidos. Para termos uma ideia, hoje o governo gasta R$ 45 mil reais por ano com cada presidiário, enquanto com um estudante das redes públicas o valor investido é de R$ 15 mil.

Meu questionamento é o seguinte: existirá alguém capaz de desfazer esse nó górdio que condena nossa liberdade ou teremos de esperar centenas de anos para que surja alguém verdadeiramente grande neste país?

Olho para cima e para os lados, tento até olhar para baixo, mas entre homens de terno e uniforme, não vejo nada além de covardes.