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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Desafio sem make

Não lembro ao certo minha idade, nem lembro de ter sido avisado pelo espelho, penso então que foi o forçado convívio comigo mesmo que acabou por ocultar os fios de cabelo que caiam sem serem substituídos. Como eu estava dizendo, não lembro ao certo quando percebi estar perdendo o cabelo, provavelmente nem tenha sido eu avisado pelo espelho, mais provável tenha observado meu pai, meus avós.
E dá para fugir dessa tal genética? Lembro que um dos primeiros livros que li tentou me avisar: “O que mais odiamos em nossos parentes é sermos parecidos com estes”. Muitos devem estar se dizendo agora: “eu não sou nada parecido com aqueles idiotas”, mas quero lembrá-los que neste caso a negação é um dos primeiros sintomas do vínculo.
O ódio, aliás, tem essa particularidade, pertence à mesma moeda do gostar. Logo, se gostamos estamos há um passo de odiar e quando a odiamos talvez o que não suportemos seja o fato de termos os mesmos defeitos.
Misturei tudo, eu sei, é que esse lance de cair o cabelo me faz questionar muita coisa. Comecei a tomar medicação uns cinco anos atrás, tudo para não seguir a tradicional linhagem dos carecas da família. E sabe o que mais me deixa inquieto nisso tudo? Os cinco anos. Eu juro que parece ter sido ontem: menos mal que a medicação parece ter funcionado, pois os poucos cabelos que eu tinha na época ainda me restam, ainda.
Permita-me essa ‘conversa’ mais descontraída para confessar outro crime contra o tempo. Um ano atrás o dentista me avisou: “Tem que tirar os sisos”. Segundo ele era para ser feito logo, mas aqui estou eu e meus quatro sisos. Parando para pensar agora, acho que existe uma lógica para ainda não ter voltado ao dentista, afinal, se sou apegado a fios de cabelo, imagine aos dentes.
É, há intimidades que não podem ser contadas, talvez eu esteja indo longe de mais, mas esse lance de esconder o que todo mundo faz é um sintoma claro da máxima que se tornou a aparência.
Alguns meses atrás as garotas se desafiavam na internet a postarem fotos sem maquiagem, então a gente para para pensar: mas o normal não seria elas estarem se desafiando a postar fotos maquiadas? O fato é que ninguém mais se aceita como é. A morena quer ser loira, a de cabelo liso quer deixar crespo, o magro quer ganhar músculos e o gordo quer ser magro. E se existisse um comprimido que me desse dez centímetros de altura eu já teria tomado. O que eu ganharia com dez centímetros a mais? Nada, mas alguém em algum canal da TV certa vez me disse que altura era importante e infelizmente algo em mim acreditou.
E a gente cresce ouvindo: ‘Seja o que você é’. O pai nos leva para a escola e quer parar o carro em frente ao portão, se nós o reprovamos ele diz: “Você não tem que ter vergonha de quem é”. Mas quem se é quando se tem sete anos? Aí você assiste a um filme do super-homem e pensa: “Eu quero ser alto, forte e usar a cueca por cima da calça”. Loucura essa tal lucidez.
Mário Quintana escreveu: “Se eu amo meu semelhante? Sim, mas onde encontrar meu semelhante”. Como poderíamos aceitar e amar o próximo se não aceitamos nem a nós mesmos? Como podemos viver uma plena alegria se acreditamos que dez centímetros nos fariam mais felizes?
Simples vaidade ou ocultação? Não podemos esquecer nosso real rosto, pois maquiagem nenhuma dura para sempre.