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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

sábado, 27 de junho de 2015

A liberdade para ser e se frustrar

Somos um arquétipo do ser humano moderno, livres. Somos o presente que o passado esperou nascer. O que existia antes de nós era medieval, antiquado. É tão presente essa ideia de mundo novo que deixamos de nos importar com quando ele realmente iniciou. Sim, pois ideias de liberdade, princípios de felicidade e buscas não surgem alheias ao homem em seus primeiros passos, elas são aprendidas.
Somos a geração ciência, que não acredita em coisas doentias nas quais os antigos acreditavam. Sim, somos livres: para escolher a roupa e corte de cabelo, a marca de água que iremos beber e a proteção de tela do nosso celular. Temos a liberdade sexual, o poder da escolha dos parceiros. Somos livres, lutamos por isso e acreditávamos que a liberdade era um dos pilares da busca fundamental – fosse ela qual fosse. Porém, não contávamos com a liberdade do outro, liberdade essa que nos leva também a sermos ou não escolhidos. Fomos, então, de encontro à solidão.
Olhamos os jovens de hoje e pensamos: “Eles estão indo muito rápido”. Mas não foi assim que planejamos as próximas gerações? Não nos orgulhamos de ver uma criança de seis anos dominando a tecnologia que faz um senhor de 60 ficar totalmente perdido? E esse medo da velhice: será que o que nos atormenta é a finitude ou a sensação de estarmos ficando ultrapassados, prestes a sermos tragados pelo passado, servindo, no máximo, de referência aos futuros?
Tento não confundir minha sensação de obsolescência com alguma ilusão sobre um futuro perdido pelo fato de eu simplesmente não estar nele. E daí se tudo está andando rápido demais? O que, afinal, é moral? Um casal ficar por 50 anos junto sem se amar é certo? E jovens dizendo “te amo” na mesma semana em que se conhecem é errado?
Talvez a essência humana não tenha mudado tanto quanto pensemos. Quem sabe até sejamos os mesmos de sempre, buscando as mesmas respostas e sabendo que, mesmo se essas surgissem, não nos bastariam. É o jeito que a roda gira, a cada década do seu jeito, nem melhor ou pior, apenas mutável superficialmente e apenas o suficiente para parecer que não estamos parando ou mesmo que estamos tentando mais que outros.
Já depositamos nossa fé em moiras, as três velhas que teciam o destino dos homens. Já acreditamos em um Deus segurando raios, em um com asas nas botas e outro que controlava as ondas do mar. Já endeusamos uma teoria, absorvemos as escritas incríveis de Platão e dela inventamos o cristianismo. Já endeusamos homens, uns bons, outros maus – vide Hitler e a população de um país que o seguiu para exterminar outros. Já escravizamos nossa gente e acreditamos que, por uma mera questão de cor, alguns não pertenciam à espécie humana. No século 17 passamos a acreditar na ciência e razão, capengamos essa ideia por 300 anos. E agora, no que cremos? Na lei da atração – se pensarmos positivamente o universo conspira por nós? Que somos sagrados por sermos feito da poeira de estrelas? Em meio a tudo isso, apenas uma coisa é realmente concreta: o ser humano implora e se apoia em qualquer sentimento que o faça parecer menos banal.
Sempre que penso em passado, presente e futuro me ocorre uma sensação de que seguimos caminhando como os primeiros de nossa espécie: em meio a um deserto, sem noção de para onde ir e o que procurar; sem bem saber de onde viemos ou mesmo se vale a pena seguir.
Discursamos sobre liberdade, mas o que é ser livre? Falamos complexamente sobre felicidade, amor e autoconhecimento, mas somos tão rasos em conteúdo que qualquer pessoa com um pouco mais de sapiência já nos deixa sem entender nada. Falamos em futuro perdido como se alguma vez nossa espécie tivesse se encontrando nesse inóspito lugar chamado “eu”.
Esses somos nós, livres?! Para sofrer talvez.