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Perco-me entre textos, poesias e músicas, percebi então que a melhor forma de arquivar era dividir. Nesses anos, muito do que não se perdeu foi graças a quem acompanha meu trabalho. Assim, na imensidão virtual deixo essas pegadas, parecem dois únicos pés, mas acreditem, carrego muito de vocês aqui.

sábado, 27 de junho de 2015

O homem olhando as estrelas

Faça o que fizer, fuja o quanto puder, mas um dia você se pegará lendo o horóscopo.  O que isso prova eu não sei. Talvez que você seja humano?! Até o mais cético dos mortais já olhou para as linhas que desenham a palma da mão; mesmo o mais descrente ser humano já tentou captar seu número da sorte. Nossa eterna busca por sentido.
Lembro que, ainda criança, uma tal mãe Dinah ganhou as mídias por prever  - segundo ela – que um avião iria cair. Quando os integrantes da banda Mamonas Assassinas morreram na queda de seu avião, a Dinah obviamente não perdeu tempo e tratou de ganhar dinheiro. Contam que até 2014, ano em que morreu, a “vidente” viveu do sucesso de sua trágica “previsão”. Nem vou entrar muito no assunto do dito dom divino de prever. O que me interessa mais nesse tipo de caso é o consolo de boa parte das pessoas diante da clarividência, a qual nos ligaria a algo divino e, por sua vez, nos remete à ideia de que não estamos sozinhos nesse imenso nada cósmico. 
É de nossa natureza acreditar, é nossa muleta sentimental crer em algo que transcenda o homem e seu controle. Por vezes me vejo olhando as estrelas, buscando a constelação de escorpião, vendo se planetas vagueiam por entre “minhas estrelas” e tentando imaginar se o que ocorre lá em cima influencia o que esteja a ocorrer comigo aqui. Logo, me vejo na busca de tentar descrever minha fase atual: como se toda fase fosse nova e a vida não fosse esse eterno inverno que todo ano chega.
Das previsões que me surpreendem, tenho uma em especial, do magnífico filósofo Blaise Pascal, ainda no século 18: “O futuro será dominado por lazer, juventude e barulho”. Ao contrário da maioria das previsões, essa não foi feita olhando a borra do café, jogando cartas ou vendo a posição das conchinhas do mar em cima de pedaços de palha. Pascal era um grande estudioso, um homem que guiou sua vida pelo conhecimento. Sua tacada certeira quanto a essa previsão se baseou nos medos que o ser humano dito moderno começa a desenvolver já naquela época.
Lazer, prazer, uma busca desenfreada pela felicidade momentânea e um momentâneo que precisa ser contínuo. Eis um retrato perfeito dos nossos últimos cem anos: o lazer como a necessidade de ser feliz; a juventude como negação da velhice em um mundo que gasta cem vezes mais em pesquisas estéticas do que para desenvolver curas para o câncer; e a compulsão por manter-se jovem. Já o barulho não é somente na forma de som, mas no sentido de estarmos a todo o momento envoltos por coisas que nos distraem. A verdade é que não suportamos qualquer ideia de solidão do convívio com nós mesmos e nossos atormentadores pensamentos.
Somos guiados misticamente, acreditamos no acaso como a criança que segura a mão do adulto para atravessar a rua sem que precise ela mesma olhar para os lados. Talvez seja essa submissão ao divino que nos permita deitar a cabeça no travesseiro e dormir, mesmo diante as terríveis atrocidades que seguimos a assistir durante os séculos.
A genialidade da sobrevivência, a fuga das mais dolorosas perturbações. A engenhosidade de nossa mente não tem limites, ela faz de um céu noturno um olhar de esperança, faz ecoar dentro de nós o brilho longínquo das estrelas como tivessem sido feitas para nós – feito mariposas a circularem a lâmpada.
Lazer, juventude e barulho. Entre tudo isso nós, à espera do socorro que nunca chega. Crianças perante os séculos em um eterno medo de crescer.